sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Retificação

Caros amigos,

Por motivo de força maior (leia-se, compromissos acadêmicos) passarei algumas semanas sem postar textos no blog. Peço desculpas pelo transtorno.
Logo retornarei as atividades.

Abraços

quinta-feira, 29 de novembro de 2007


A insustentável leveza do não-ser


Confesso, o título não é nenhum pouco original, foi uma “enrabada” no melhor sentido deleuziano de uma expressão de Milan Kundera. Acredito que todos vocês devem conhecer o livro “A insustentável leveza do ser” não é mesmo? E daí? Quem se importa com isso? Além do mais, não se trata de um plágio descarado, digamos que é uma homenagem póstuma, mesmo achando esse livro de Kundera demasiadamente chato...Mas não vim aqui para falar sobre literatura strictu sensu, o que não seria má idéia, diga-se de passagem, contudo, prefiro me debruçar sobre outra coisa, algo que me incomoda profundamente, não só a mim claro, pois se trata de uma questão existencial, falo do não-ser. Prometo não ficar torrando a paciência de vocês com uma elaboração recheada de expressões filosóficas de difícil tradução, como fazem os iniciados quando vão discorrer sobre questões de grande complexidade. Bom, sempre ouvi de várias pessoas, (e acho que muitos de vocês também já ouviram), a idéia de que o ser humano tem uma essência, que só é descoberta a posteriori, quando nos livramos da máscara que apresenta uma visão falseada daquilo que somos de verdade. Atualmente a idéia de “ser”, ou melhor, de essência vem sendo questionada por aqueles que pensam o ser humano como uma potência em constante transformação, rompendo com a idéia de que somos um construto biológico, ou meramente racional. Droga! Já estou falando de filosofia, mesmo dizendo que não faria...peço desculpas pelo meu curto lapso de memória, é o costume...mas como ia dizendo, várias pessoas tendem a achar que as “máscaras” são próteses identitárias a qual nos agarramos para esconder algo. Por outro lado, existem aqueles que se sentem felizes com essa condição, dizendo até que as máscaras traduzem aquilo que são realmente. Intrigante não? O que sabemos é que a todo instante estamos a procura daquela máscara que melhor nos servirá. Cotidianamente estamos querendo “ser” algo, pertencer a algo, só para ter o prazer de dizer para alguém que possuímos uma identidade, do tipo: sou militante de esquerda, ou então sou punk, ou sou vegetariano, ou sei lá...qualquer outra coisa. Por outro lado, existe um outro movimento (no sentido de direção), cuja a orientação é pautada pelo “não-ser”. Todos vocês devem ter um amigo “ex-alguma coisa”: ex-rockeiro, ex-anarquista, ex-católico, enfim...”ex-qualquer coisa”. Quando muitos deles são indagados sobre o “por que” da negação de algo que em outro momento foi tão importante, costumam dizer: “não agüentei a pressão”, “ela me privava de determinadas coisas”, “não quero seguir regras”, muitas são as frases. Dessa forma, passam a criticar ferozmente seu antigo papel, usando toda a força para destruir o pai castrador, a autoridade, a lei que fazia de suas vidas um verdadeiro inferno. Sem perceber, acabam aderindo um novo papel, cuja a identidade é construída na depreciação da identidade antiga. O “não-ser” acaba se tornando ser..e tudo volta a “ser” como era antes. Não conseguimos viver sem uma classificação, mesmo que ela nos traga sofrimento, pois é menos doloroso sofrer pelo pertencimento do que pelo não pertencimento. Carregar o peso de uma identidade é uma enorme responsabilidade, por isso há aqueles que mesmo em conflito consigo mesmo, preferem continuar vivendo da maneira que consideram mais adequada, evitando a fogueira da inquisição e os olhares de desconfiança. A maior dificuldade não está em romper com o antigo papel, e sim em não assumir um outro. A prova maior é que muitos dos que são “ex-alguma coisa” procuram sempre um novo rótulo o mais rápido possível, assumindo uma nova conduta, que em muitos casos é tão disciplinadora quanto a primeira...
O ser humano é um bicho complicado mesmo, nunca está satisfeito com nada, quando está livre, reclama segurança, quando está seguro, reclama liberdade...
Vai entender...

quarta-feira, 21 de novembro de 2007


Reflexões sobre o racismo no Brasil


A todo momento somos interpelados pela questão: “existe racismo no Brasil”? A idéia de uma nação miscigenada na qual as etnias convivem harmoniosamente é o argumento mais utilizado por aqueles que relutam em acreditar que o Brasil é um país verdadeiramente democrático. Também queria muito poder acreditar nessa afirmação, porém o cotidiano a todo instante me faz entender de maneira cruel que as coisas não são tão belas quanto imaginamos. Mesmo levando em consideração o fato de que a escravidão foi abolida no país a mais de um século, e que muitos negros estão ocupando “posições sociais” que até então eram privilégios de brancos, não podemos deixar de notar que o preconceito racial a cada dia dá provas de sua força. Diferente do apartheid norte-americano, onde brancos e negros eram segregados em mundos distintos, o nosso é caracterizado pelo silêncio. Ninguém é racista até última instância...somente em casos especiais, como por exemplo, quando uma garota branca (nem tão branca assim) insiste em namorar um garoto negro, ou vice-versa. Os pais ficam aflitos, não conseguem entender o que a filhinha, (ou o filhinho) deles viu em um rapaz (ou uma moça) com essas características, então, tentam persuadir-la (o) a desistir do relacionamento que de acordo com eles, não pode dar certo. Porém, o que chama atenção nesses casos, é que em muitos deles, a palavra racismo não é mencionada. Os indivíduos não se reconhecem enquanto racistas, e dessa maneira vão tocando o cotidiano, afinal de contas não é possível serem acusados de algo que inexiste por aqui, não é mesmo?
Interessante é que a população só se indigna com esses casos quando os mesmos ganham repercussão na mídia de uma maneira geral. Lembro das reações de alguns jornalistas diante do caso que envolvia a mãe de um jogador de futebol famoso, que foi “convidada” pelo recepcionista de um hotel a ingressar pelo elevador de serviço, utilizado pelos empregados pelo fato de ser negra. Logo, a população se mostrou revoltada com a atitude do recepcionista, que não fez nada mais que reproduzir uma prática que certamente estava dentro das normas do hotel, e mais ainda, introjetada nos esquemas representacionais de muitos ditos “cidadãos de bens” da sociedade brasileira. E por falar em futebol, é dentro das famosas “quatro linhas” que acontecem muitos dos casos de racismo do país. Quem não lembra dos inúmeros casos de jogadores negros que foram cuspidos ou chamados de “macacos” por seus colegas de profissão? Como podemos perceber o racismo por aqui é bem mais comum do que imaginamos, mas mesmo assim, insistimos nessa “lenga-lenga” verborrágica de que isso é problema de outros países, como aqueles da Europa, onde é comum encontrar facções de extrema direita que pregam ódio aos negros e aos chamados mestiços. Lamento informar, mas no Brasil existem também grupos que pregam ódio racial, e a cada dia crescem o número de adeptos. No inicio do ano em Brasília houve um atentado a uma residência estudantil na UNB onde viviam estudantes africanos. Como se não bastassem as pichações com dizeres odiosos nas portas dos apartamentos, atearam fogo no prédio. Lembro de ter ouvido comentários que diziam que alguns estudantes estavam indignados com certos privilégios concedidos aos africanos, como se de alguma forma isso apaziguasse o caráter racista do atentado. Parece que a Universidade de Brasília convive bem com essa situação, quem não lembra o caso do professor de Ciências Políticas que foi punido por se referir aos negros como “crioulada”. Diferente do que podemos imaginar, esses casos não são cometidos por indivíduos de maneira isolada, como por maldade, ou por falta de amor ao próximo. Trata-se de uma particularidade da cultura brasileira que tem suas raízes fincadas sobre uma velha estrutura definida pelo par “casa-grande e senzala”. Tinha planejado escrever sobre outra coisa, mas lembrei que estávamos na semana da consciência negra, e, que não poderia perder a oportunidade de me manifestar a respeito de um fenômeno que sob muitos aspectos ainda é considerado tabu em nosso país.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007


Amar o próximo: tarefa complicada?


Confesso que o último texto tinha uma “cara” de artigo científico, mas fazer o quê né? Quem mandou se tornar sociólogo...eu particularmente prefiro a escrita do poetas, dos literatos de uma maneira geral, por isso, nesta semana, me comprometo a prosear sobre algo mais leve, mas nem por isso menos importante do que as outras temáticas aqui discutidas. Falarei da amizade, essa forma de amor que une os seres humanos, e que segundo os gregos é uma fonte de sabedoria e felicidade. Para ser sincero, acho que falarei bem mais da forma como esse sentimento vem sendo desprezado em nossos dias, e de como vem se tornando uma espécie de troca de favores entre indivíduos, relação que só persiste enquanto um ou outro puder extrair para sí próprio o maior prazer possível. A famosa “relação pura” que é saudada por Giddens (1993) como uma grande conquista de homens e mulheres (principalmente das mulheres) no que diz respeito aos relacionamentos afetivo-amorosos, também se faz presente na construção dos vínculos sócio-afetivos. Ao torna-se uma expressão da reflexividade contemporânea, a amizade perde seu conteúdo ético, justamente aquilo que a torna um sentimento tão especial. Vivemos em um tempo onde a tradição e os valores ligados a mesma são tratados como entraves ao bom funcionamento do corpo social, tudo que lembrar dignidade, respeito, solidariedade, é percebido como romantismo demasiado, peças de museu que não mais tem espaço num mundo extremamente competitivo. A todos instantes nos fazem lembrar o quanto o próximo é um adversário em potencial. Freud em seu famoso texto “O mal estar na civilização” introduziu a idéia de que é impossível “amar o próximo como se ama a si mesmo”, afirmando que a premissa judaico-cristã nos exigia uma tarefa impossível. O distanciamento psíquico em relação ao próximo, faz com que eu o perceba como alguém não merecedor de meu amor, ou seja, quanto mais diferente de mim, menos amor poderei ofertá-lo. Além dessa condição, Freud introduziu uma outra, que torna o próximo (diferente), alguém passível de desconfiança. Dessa forma, como entregar de bandeja um bem tão precioso para alguém que só quer o meu mal? O pensamento moderno de vertente hobbesiana continua reverberando em nossa época, só que travestido com o nome de “reflexividade”. É a capacidade de fazermos uma leitura sistemática da ação de indivíduo, que faz com que eu o veja como um adversário em potencial. No mundo antigo, o sentimento da amizade era super valorizado, basta lembrarmos dos discursos imortalizados de Sócrates sobre a “impossibilidade dos maus amarem seus próximos”, ou mesmo Cícero, afirmando que “a amizade só pode existir entre homens de bem e entre aqueles dedicados a sabedoria”. Não é tôa que autores como Hannah Arendt e Emanuel Lévinas, pensadores que se dedicaram a falar do amor como condição fundamental da existência humana, estiveram engajados durante toda a vida com a constituição de um espaço verdadeiramente democrático que permitisse a produção de relações éticas pautadas por um senso de humanidade comum a todos. A reconstituição da pólis no mundo contemporâneo, torna-se dessa forma uma tarefa impossível uma vez que estamos todos contaminados com o vírus da desconfiança. Com o aumento da indiferença e a derrocada do amor, a amizade agora respira através de aparelhos. Porém existem aqueles que ainda acreditam na redenção da humanidade, na possibilidade de uma vida menos sombria, e que não se incomodam de serem reconhecidos como “românticos” e/ou “idealistas”. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman talvez seja um dos poucos pensadores vivos que ainda tentam mostrar que nem tudo está perdido, e que amar o próximo é possível, mesmo que seja como ato de fé. Eu particularmente tenho algumas críticas a Bauman, pelo fato de ele não levar em consideração as inúmeras mudanças nas relações contemporâneas que permitiram um maior equilíbrio entre os gêneros. Porém, é impossível ficar indiferente ao seu apelo desesperado por mais amor ao mundo e aos seres humanos de uma maneira geral. Bauman percebe a dificuldade amar o próximo como uma herança maldita da sociedade, uma espécie de estrutura social que age sobre os indivíduos, que os torna insensíveis e indiferentes ao sofrimento alheio. Quem dera fôssemos como Winttgenstein, capazes de se indignar com o sofrimento de um único ser humano... acabei falando muito pouco daquilo que me propus no início, talvez pelo fato de estar preocupado demais com a situação dos vínculos sócio-afetivos na contemporaneidade, talvez por achar que a amizade não pode ser traduzida em palavras...sei lá, acho que foram as duas coisas.

GIDDENS, Anthony. As transformações da intimidade. São Paulo: Editora Unesp, 2003.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007


You say you want a revolution? Well you know...


Com a saturação do imaginário moderno em virtude das recentes transformações políticas e culturais que marcaram o início do século XX, podemos vislumbrar o nascimento de novas formas de oposição ao poder. Diferente dos partidos políticos de esquerda, essas micro-resistências não sonham com a “tomada do poder” mediante uma revolução, e muito menos acreditam ser possível uma sociedade igualitária, transparente e livre de conflitos, como prescreve a utopia socialista. Eles fazem do cotidiano sua praça de guerra, resistindo bravamente as diferentes formas de poder que perpassam todo o tecido social. Para aqueles que continuam presos a um modelo de transformação política do século XIX, é impossível conceber formas de luta, que tenham por objetivo maior a causa do sujeito, uma vez que a idéia de singularidade é confundida com afirmação individual, ou seja, mais uma estratégia da “burguesia”. Assim, a idéia de micropolítica, que estar relacionada com a produção de afectos (no sentido Spinozano), é suplantada, por um discurso reacionário, que associa subjetividade a conformismo. Será que podemos continuar desprezando as microrebeldias pelas mesmas não possuírem uma organização semelhante a dos partidos ou um projeto de revolução centrado na conquista do poder?


“Quando o mundo é concebido através do prisma da conquista do poder, muitas das lutas, muitas das maneiras de expressão da nossa rejeição, muitas das maneiras de lutar pelos nossos sonhos de uma sociedade diferente simplesmente se “filtram”, simplesmente permanecem ocultas. Aprendemos a suprimi-las e, assim, a suprimirmos a nós mesmos” (Holloway, 2003:31).

Quando enfatizamos a dimensão micropolítica, não estamos querendo desmerecer as inúmeras lutas das organizações que buscam transformar a sociedade por intermédio do Estado, mas sim indicar, que a política em seu sentido mais amplo não pode ser concebida a partir de uma esfera apartada do sujeito. Não se trata de afirmar que os membros das instituições partidárias são seres a-desejantes, o que seria uma afirmação absurda, pois é impossível falarmos de uma colonização total dos afetos pela razão. Contudo, não podemos deixar de levar em consideração, que os discursos de poder das instituições que prescrevem ao sujeito uma única forma possível de transformação social, retira do mesmo, a capacidade de refletir sobre sua própria condição de sujeito histórico, ele não “age” sobre as estruturas de poder, mas é “agido” pelas mesmas. Quando nos remetemos a uma reconfiguração das lutas políticas na contemporaneidade enfatizando a capacidade criadora dos sujeitos, não significa dizer que estamos assistindo a uma tomada de consciência planetária dos indivíduos como jamais foi vista, mas indicar que aquela noção de revolução centrada na conquista do poder, foi (está sendo) reelaborada devido acontecimentos históricos decisivos. O fracasso das experiências socialistas na China, Alemanha e Rússia, somadas as descrenças na mudança advindas de um quadro político institucionalizado, fez com que surgissem alternativas a um modelo típico ideal de revolução. O descontentamento social se expressa em nossos dias de maneira difusa, vemos o aumento de diversos focos de contestação com preocupações que escapam os tradicionais temas das reivindicações de classe. Isso não implica dizer que a luta por uma menor desigualdade sócio-econômica entre os povos tenha perdido sua força em detrimento de outras lutas, mas sim que existem diversos grupos que se organizam dentro de outra perspectiva, que não somente aquela fornecida pela luta de classes. O desafio que hoje se impõe a esses grupos é repensar uma tática de dissolução das estruturas de poder, que não aquela construída pelo olhar do dominador. A maioria dos movimentos sociais (sejam aqueles que lutam por reconhecimento ou distribuição) continuam aprisionados em um modelo moral, onde o que está em jogo são as “verdades” do coletivo sobre a verdade do sujeito, resiste-se não porque busca-se a felicidade, uma estilística da existência (semelhante aquela apresentada pela afrodisíaca grega), mas sim porque estamos territorializados pelos discursos de poder. A luta cotidiana contra os “micro-fascismos” representa uma tentativa de construirmos uma resistência do ponto de vista do sujeito, colocando em evidência o desejo, pois só ele é revolucionário...

HOLLOWAY, John. Mudar o mundo sem tomar o poder. São Paulo: Editora Viramundo, 2003.

quarta-feira, 31 de outubro de 2007


Quem será o próximo bode expiatório ?


Muitos dos que me conhecem talvez já deduzissem de antemão qual seria a temática do texto dessa semana, afinal de contas, vocês também devem ter acompanhado em tom de indignação as matérias que foram veiculadas pelos programas Domingo Espetacular (Record) e Fantástico (Globo) neste domingo (28/10/2007). As respectivas versavam sobre a “cultura punk”, para ser mais específico, sobre a violência disseminada por aqueles que partilham dos ideais desse movimento. Como alguns devem ter podido acompanhar, a proposta era apenas uma: mostrar que as atitudes violentas empreendidas por esses jovens eram produzidas por uma espécie de “má influência” advinda do próprio punk enquanto estilo de vida. Não é nenhuma novidade afirmar que ambas eram de uma pobreza documental sem tamanho, por isso, prefiro pular essa parte. Acho mais interessante discutir a maneira como a problemática da violência e sua relação com a juventude foi trabalhada. Ao invés de abordar a violência como um fenômeno de extrema complexidade que envolve elementos econômicos, políticos, culturais e psíquicos, e que atinge toda a juventude brasileira (e do mundo todo), apresentaram a mesma como uma particularidade de determinados grupos ou melhor de um grupo em específico, reconhecidamente estigmatizado desde sua aparição no país, no início dos anos 80. Em tempos de crise, sempre procura-se um “bode expiatório”, ele funciona como uma espécie de catalisador de todas as mazelas cotidianas, e a bola da vez é o movimento punk. Não lembro de ter visto nos últimos anos, alguma matéria “positivando” as ações desse grupo, se referindo a maneira como questionam os valores dominantes da sociedade: machismo, homofobia, sexísmo, racismo, etc, o que confirma a máxima de que “punk só pode ser noticia quando está na página policial”. A chamada de uma das matérias trazia a seguinte frase: “por que cultuam a violência?”, quando a pergunta deveria ser: “por que a violência é uma constante entre todos os grupos que portam consigo verdades pré-estabelecidas?”. Aí partiríamos de um outro viés, pois passaríamos a analisar o aniquilamento físico e simbólico do outro como uma forma de garantir a coesão grupal, pois como dissera o sociólogo Norbert Elias (2000), “o grupo reforça seus ideais através da negação dos ideais do grupo ao qual se opõe”. A situação se complica, quando a violência não é mais cometida entre bandos rivais, no caso “punks x skins”, disputa que se arrasta por décadas, e sim, passa a ter como alvos pessoas comuns, que não possuem ligação com qualquer postura político-ideológica, como foi o caso do garçom morto por três jovens definidos como “punks” a algumas semanas. Então, essa ação criminosa já não pode ser considerada um produto ideológico-cultural-simbólico (usem a expressão que considerarem mais adequada) de um movimento em específico, a não ser que a vítima em questão fizesse parte de um grupo rival, o que não era o caso. A violência cometida pelos três jovens é a mesma que se faz presente no nosso cotidiano, e não é um atributo específico de um segmento da população, pois ela está capilarizada por todo tecido social, e se projeta das mais diversas formas. Sem querer explicar o fenômeno, até porque seria impossível, só podemos indicar que ela é o “fio condutor maldito” que une a sociedade, e torna todos “frutos de uma mesma árvore”. Alguns de vocês acham que existem realmente diferenças entre a violência cometida pelos jovens de classe média que espancaram a doméstica Sirley, e aquela cometida pelos jovens “punks” que assassinaram o garçom? Eu particularmente acredito que existem. A diferença estar na pele, na condição sócio-econômica, no visual provocador...e é justamente nessas diferenças que residem o “xis” da questão. São nessas significações sociais como mostra Castoriadis (1982), que se escondem ou melhor, se apresentam um apartheid cruel. Quem não se lembra da morte do garotinho João Hélio? Na ocasião houve uma comoção generalizada da população com milhares de pessoas indo as ruas para protestar contra a violência e a impunidade no país. Nas favelas brasileiras, crianças como João Hélio, são assassinadas freqüentemente, porém a revolta se limita a circunferência da favela. Por que será que a população não se indigna indo também as ruas? Por que algumas mortes se tornam estatística e outras são sentidas de forma intensa? A diferença está na in-diferença pela qual tratamos o diferente. Parece confuso, mas não é difícil compreender. Existem pessoas que estão autorizadas a morrer, e outras não. Então vocês me perguntam: Mas como assim? Quem define os parâmetros? E eu respondo: a sociedade e suas convenções, ou seja nós mesmos... parece absurdo, mas é assim que procede. Nós tendemos a nos sensibilizar com sofrimento daqueles que são próximos, e ser indiferentes com aqueles que estão distante de nós sobre vários aspectos. Claro que isso não é condicionado racionalmente, digamos que é uma elaboração de nosso imaginário instituinte (parafraseando Castoriadis novamente). Alguns dizem, que a “dificuldade de amar o próximo” é uma condição originária do homem, outros dizem que ela é constructo social, e jamais chegamos ao um consenso. O que sabemos é que ela nos acompanha desde a mais tenra idade. Fiz todo esse percurso para mostrar que a violência, aquela mesma que os programas da Globo e da Record, disseram ser produzida por um grupo carregado de idiossincrasias, se faz presente em toda a humanidade. Imputar ao movimento punk o estigma de violento é apenas uma maneira superficial de enxergar o problema.

CASTORIADIS, Cornélius. A instituição imaginária da sociedade. SP: Paz & Terra, 1982.


ELIAS, Norbert. Os estabelecidos e os outsiders. RJ: Jorge Zahar, 2000.

terça-feira, 23 de outubro de 2007


Sobre o tal "bonde do Foucault"


Um artigo escrito pelo jornalista e colunista da Revista Veja Reinaldo Azevedo a algumas semanas atrás, chamou bastante minha atenção. Trata-se de um texto comentando os supostos ataques de alguns intelectuais ao filme “Tropa de Elite”, de José Padilha, que vem sendo acusado, creio que injustamente, de “fascista”. Sem querer entrar nos pormenores dos comentários de alguns intelectuais do país, vale ressaltar, que, muita das críticas feitas ao filme de Padilha, deveu-se a forma como a violência policial foi discutida em tal produção. Ao trazer para a tela do cinema as ações do BOPE, destacando a “eficiência” e “prontidão” com as quais executam suas missões sangrentas, o diretor ajudou a reforçar a idéia de que a única solução para o problema da violência é a “guerra pura”. Diante de uma Policia Militar corrupta e covarde, e de leis ineficazes, eis que surgem aqueles que serão responsáveis pela restauração da ordem que fora perdida: os anjos vingadores do BOPE. Certamente Padilha não tinha esse propósito, mas o que seria uma critica à violência policial, acabou provocando o efeito inverso, e agora vemos crianças pedindo para as suas mães uniformes semelhantes ao do batalhão. Bem vindo ao espetáculo da perversão nacional. Mas isso seria tema de uma outra discussão. Por enquanto meu interesse está no artigo de Reinaldo Azevedo que possui o intrigante título “Capitão Nascimento bate no bonde do Foucault”. Como sei que não vale a pena escrever uma réplica ao autor dessa baboseira sem tamanho, escrevo no blog para extravasar minha indignação perante a mediocridade de um setor imbecilizado da imprensa brasileira, que é bem maior do que imaginamos. No respectivo texto, o dito cujo teve a brilhante idéia de aproximar Immanuel Kant (Filósofo alemão iluminista do século XVIII) e o Capitão Nascimento (Personagem interpretado por Wagner Moura em Tropa de Elite). É tosco, mas é verdade. Para ele, o famoso Capitão se apresenta na pele de um “kantiano rústico” que está a procura de uma moral universalizaste, e que, ao contrário dos “intelectuais de esquerda” (como se todos os intelectuais que criticaram o filme fossem de esquerda...ridículo), não sofre de psicose dialética. Tropa de Elite apresenta o problema e a solução. Simples não? Mas pior do que essa comparação estapafúrdia, é o argumento que ele utiliza para indicar a verdadeira razão da inquietação dos intelectuais com o filme. Para o jornalista, eles sentiram-se ofendidos com a constatação de que o tráfico - assim como a violência decorrente do mesmo - é financiado pelos estudantes de classe média que infestam as universidades do pais, e que não abrem mão de seu “baseadinho sagrado”. Definitivamente não dar para levar a sério um sujeito como esse! Ele só pode ter complexo de inferioridade...talvez não conseguiu ser aprovado no curso de Filosofia e acabou tendo que optar por Jornalismo, ou então, sua namorada o trocou por um filósofo ou sociólogo, ou quem sabe seu pai foi um grande sociólogo? Será isso um parricídio? Seja qual for o motivo, seu argumento não deixará de ser leviano, perverso e reacionário. Reduzir um conjunto de críticas sérias a uma espécie de “estratégia de defesa”, do tipo, “temos que tirar o nosso da reta” é um atentado ao conhecimento produzido dentro das universidades do país. É jogar pelo ralo anos de estudo e de produção acadêmica sobre o fenômeno da violência. Mas Reinaldo não dá a mínima para esse tipo de conhecimento, para ele é bobagem...afinal de contas, de que adianta ficar divagando sobre teorias surreais quando precisamos de uma solução urgente e rápida? Para quê Foucault se temos o Capitão Nascimento? E por falar em Foucault, não podia deixar de destacar a total ignorância sobre a obra do filósofo francês, que, diga-se de passagem é chamada de “lixo” pelo nosso grande pensador da Veja. Ele chega ao ponto de afirmar que no livro Vigiar e Punir (1972), Foucault tem como propósito criticar os métodos coercitivos implementados pelo Estado para coibir a ação do transgressores da lei. E o que é mais grave, afirma que no respectivo livro, o filósofo sugere que os castigos físicos são melhores ou menos cruéis do que o disciplinamento dos corpos pela instituição prisional. Foucault deve estar até agora se contorcendo no caixão. Dentre os inúmeros absurdos, o que considero mais perigoso é o apoio desmesurado a barbárie como solução para o problema da violência, que é extremamente complexo. Isso sim é fascismo, aquele que Foucault define no prefácio de Anti-édipo de Deleuze e Guattari (1977), e que precisa ser combatido a todo custo: “o fascismo que está em nós todos, que martela nossos espíritos e nossas condutas cotidianas, o fascismo que nos faz amar o poder, desejar esta coisa que nos domina e nos explora”.
Poderia escrever inúmeras páginas sobre esse atentado ao bom senso e a reflexão, mas acho que por enquanto estar de bom tamanho. Para concluir, gostaria apenas de dizer que, ao contrário do que nosso imbecilizado jornalista pensa, o "bonde do Foucault" continua firme e forte, pronto para novos desafios. Os cães ladram e a caravana passa...

terça-feira, 17 de abril de 2007

Sejam bem vindos

Apresento a todos os "espíritos livres" o meu espaço de devaneios e reflexões. Esse não é apenas um diário pessoal, mas um canal de acesso a diversas formas de experimentações vivenciadas por este que vos escreve. Tenham todos uma ótima viagem...