quinta-feira, 20 de março de 2008


Admirável mundo velho


Não sei se este blog é visitado com muita freqüência, já que não vejo muitos comentários sobre os textos publicados, mas de qualquer forma acredito que alguém deve tê-lo visitado semana passada, e certamente deve ter percebido que não havia nenhuma novidade. Não sei se continuarei publicando textos todas as semanas, pois estou bastante ocupado com atividades de pesquisa, o que me exige dedicação exclusiva. Bom, mas o texto que pretendo publicar essa semana não é uma resenha sobre minha vida acadêmica, não quero matar vocês de tédio. Vou falar sobre religião, ou melhor, sobre o controle que uma única religião exerce sobre nossas vidas. Nada mais apropriado que aproveitar esse feriado da páscoa para escrever algumas linhas não é mesmo? Na semana que postei o último texto, dois acontecimentos chamaram minha atenção, principalmente por ambos estarem relacionados com o cristianismo e para ser mais específico, com o catolicismo: o embate jurídico em torno da liberação de pesquisas com “células-tronco”, e a instituição de novos pecados pelo vaticano. Mesmo com a suposta laicização do Estado, a igreja católica não para de “meter o bedelho” onde não é chamada, dando provas que apesar de todo o progresso tecnológico não saímos da idade média. A queda de braço entre religião x ciência não é nenhuma novidade, dado que esta nasceu com a proposta de “desencantar o mundo”, afastando todas as superstições que obnubilavam a possibilidade de uma compreensão racionalizante da realidade. Apesar de ser um cientista social, não sou um apologista da ciência, e tenho inúmeras críticas à maneira como a mesma tem sido (estar sendo) desenvolvida, porém é inegável que ela proporcionou uma leitura diferenciada do mundo, mostrando que os fenômenos - sejam eles naturais ou sociais – possuem uma explicação racional (nem tão racional como pensam alguns cientistas), contrariando o pensamento religioso, que dá aos mesmos atributos sobrenaturais.
A questão não é saber se Deus existe, ou muito menos, se é ele realmente quem dá as ordens por aqui, e sim qual a influência desse pensamento na vida política dos seres humanos. Ao meu ver, não existe nenhum problema em acreditar em Deus, no paraíso, na santa igreja, a não ser quando essas crenças interferem diretamente na vida dos indivíduos, decidindo o que é melhor para eles, sem consentimento prévio. Como se não bastasse a proibição do uso de preservativos, o que colaborou de forma decisiva para o aumento da miséria no país, e conseqüentemente com o aumento de doenças sexualmente transmissíveis, ela recentemente jogou um “balde de água fria” nos sonhos de paraplégicos e tetraplégicos, alegando que as pesquisas com células embrionárias é um “atentado a vida”. Como se o impedimento da possibilidade de cura de certas doenças cardiovasculares e/ou neurodegenerativas também não se configurasse como um atentado à vida. Até quando seremos reféns de um conjunto de crenças anacrônicas que não tem implicação nenhuma sobre nossa existência cotidiana, e que além do mais, só serve para nos encher de culpa? Será que já não chegou o momento de darmos um basta nas atrocidades da igreja católica? Na mesma semana que uma audiência decidia o futuro das pesquisas com células embrionárias, me deparei com uma notícia não menos aterrorizante, principalmente se levarmos em consideração que estamos no século XXI. O Papa Bento XVI, juntamente com o conselho do Vaticano cria uma lista com novos pecados. Eles devem ter chegado a conclusão de que aqueles que nos acompanharam durante séculos não eram suficientes. Agora o tabagismo e a poluição ambiental também são pecados, ou seja, ninguém mais estará livre do “lago de fogo”. Todas as vezes que usarmos um desodorante spray, ou viajarmos em algum veículo que faça uso de combustível, estaremos dando passos em direção ao inferno. Rio para não chorar! Essa noticia só veio reforçar ainda mais a afirmação de que o progresso é apenas uma ilusão, e que apesar de nos considerarmos “seres evoluídos”, continuamos repetindo os mesmos erros de outrora.

sexta-feira, 7 de março de 2008


Ao invés de falo, útero!


Estamos no mês de março, aquele que é reconhecidamente o mês da mulher. Nada mais justo que escrever algumas linhas sobre aquelas, que apesar de terem conseguido um suposto reconhecimento nas últimas décadas, continuam sendo alvo de inúmeras injustiças, em muitos casos sendo até mesmo alijadas da condição de ser humano. Quem não lembra do caso Sirley? Os jovens que a espancaram disseram em depoimento que a haviam confundido com uma prostituta (como se o fato de espancar uma prostituta não tivesse nenhuma importância). Não tenho dúvida que sobre suas cabeças imbecilizadas paira a idéia de que uma mulher que “vende seu corpo” não é digna de respeito e muito menos de compaixão. Talvez alguns digam que se trata de um caso isolado, e que o incidente estar relacionado com o aumento da delinqüência juvenil nos últimos anos. Eu particularmente, penso em tudo isso como um sintoma de uma sociedade que não para de reproduzir a desigualdade entre os gêneros. Em cada marca deixada no corpo de Sirley há um pouquinho de cada brasileiro. Não significa dizer que todos os homens brasileiros são machistas, mas sim que existe uma cultura machista disseminada em nossa sociedade, e que é responsável pela construção de uma representação arbitrária sobre as mulheres, e o que é pior nos autoriza enquanto homens subjuga-las aos nossos interesses. De uns tempos para cá, tornou-se lugar comum dizer que as mulheres aos poucos estão conseguindo ocupar espaços que até então eram ocupados privilegiadamente por homens. Mas ao meu ver, isso não diz muita coisa sobre a maneira como as mulheres estão sendo tratadas cotidianamente. O fato de elas agora estarem atuando como motoristas ou metalúrgicas, não fez desaparecer a estrutura de dominação que as aprisiona historicamente. Marilena Chauí, certa vez afirmou não entender o porquê das mulheres quererem tanto se inserir no mercado de trabalho. Para ela, trata-se de uma luta pelo direito de serem exploradas igualitariamente, do tipo, “se os homens podem, nós também podemos”. Ao meu, faz sentido a afirmação da filósofa, até porque não é simplesmente a independência financeira que irá alterar a percepção masculina sobre o feminino. Mas por favor, não pensem que sou contra essas poucas oportunidades que de alguma forma melhoram a condição da mulher em nossos dias, pelo contrário, se estou escrevendo isso, é porque acredito que elas merecem o melhor, assim como todos os seres que habitam esse lugar chamado terra. Dependência financeira é um problema sim, e não é pequeno. Existem inúmeros casos de mulheres que se submetem a uma vida de sofrimento ao lado de um parceiro violento, por não possuírem condições financeiras de sustentarem a sí e seus filhos. Essa é uma questão extremamente delicada, e que merece toda nossa atenção. Mas como já havia falado no início do texto, a carência não é apenas material, é também afetiva e porque não dizer simbólico -imaginária, uma vez que as mulheres precisam ser pensadas dentro de um novo imaginário, que as retirem da condição de seres inferiores, e destrua de vez o falso binarísmo masculino/feminino.