quarta-feira, 14 de novembro de 2007


Amar o próximo: tarefa complicada?


Confesso que o último texto tinha uma “cara” de artigo científico, mas fazer o quê né? Quem mandou se tornar sociólogo...eu particularmente prefiro a escrita do poetas, dos literatos de uma maneira geral, por isso, nesta semana, me comprometo a prosear sobre algo mais leve, mas nem por isso menos importante do que as outras temáticas aqui discutidas. Falarei da amizade, essa forma de amor que une os seres humanos, e que segundo os gregos é uma fonte de sabedoria e felicidade. Para ser sincero, acho que falarei bem mais da forma como esse sentimento vem sendo desprezado em nossos dias, e de como vem se tornando uma espécie de troca de favores entre indivíduos, relação que só persiste enquanto um ou outro puder extrair para sí próprio o maior prazer possível. A famosa “relação pura” que é saudada por Giddens (1993) como uma grande conquista de homens e mulheres (principalmente das mulheres) no que diz respeito aos relacionamentos afetivo-amorosos, também se faz presente na construção dos vínculos sócio-afetivos. Ao torna-se uma expressão da reflexividade contemporânea, a amizade perde seu conteúdo ético, justamente aquilo que a torna um sentimento tão especial. Vivemos em um tempo onde a tradição e os valores ligados a mesma são tratados como entraves ao bom funcionamento do corpo social, tudo que lembrar dignidade, respeito, solidariedade, é percebido como romantismo demasiado, peças de museu que não mais tem espaço num mundo extremamente competitivo. A todos instantes nos fazem lembrar o quanto o próximo é um adversário em potencial. Freud em seu famoso texto “O mal estar na civilização” introduziu a idéia de que é impossível “amar o próximo como se ama a si mesmo”, afirmando que a premissa judaico-cristã nos exigia uma tarefa impossível. O distanciamento psíquico em relação ao próximo, faz com que eu o perceba como alguém não merecedor de meu amor, ou seja, quanto mais diferente de mim, menos amor poderei ofertá-lo. Além dessa condição, Freud introduziu uma outra, que torna o próximo (diferente), alguém passível de desconfiança. Dessa forma, como entregar de bandeja um bem tão precioso para alguém que só quer o meu mal? O pensamento moderno de vertente hobbesiana continua reverberando em nossa época, só que travestido com o nome de “reflexividade”. É a capacidade de fazermos uma leitura sistemática da ação de indivíduo, que faz com que eu o veja como um adversário em potencial. No mundo antigo, o sentimento da amizade era super valorizado, basta lembrarmos dos discursos imortalizados de Sócrates sobre a “impossibilidade dos maus amarem seus próximos”, ou mesmo Cícero, afirmando que “a amizade só pode existir entre homens de bem e entre aqueles dedicados a sabedoria”. Não é tôa que autores como Hannah Arendt e Emanuel Lévinas, pensadores que se dedicaram a falar do amor como condição fundamental da existência humana, estiveram engajados durante toda a vida com a constituição de um espaço verdadeiramente democrático que permitisse a produção de relações éticas pautadas por um senso de humanidade comum a todos. A reconstituição da pólis no mundo contemporâneo, torna-se dessa forma uma tarefa impossível uma vez que estamos todos contaminados com o vírus da desconfiança. Com o aumento da indiferença e a derrocada do amor, a amizade agora respira através de aparelhos. Porém existem aqueles que ainda acreditam na redenção da humanidade, na possibilidade de uma vida menos sombria, e que não se incomodam de serem reconhecidos como “românticos” e/ou “idealistas”. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman talvez seja um dos poucos pensadores vivos que ainda tentam mostrar que nem tudo está perdido, e que amar o próximo é possível, mesmo que seja como ato de fé. Eu particularmente tenho algumas críticas a Bauman, pelo fato de ele não levar em consideração as inúmeras mudanças nas relações contemporâneas que permitiram um maior equilíbrio entre os gêneros. Porém, é impossível ficar indiferente ao seu apelo desesperado por mais amor ao mundo e aos seres humanos de uma maneira geral. Bauman percebe a dificuldade amar o próximo como uma herança maldita da sociedade, uma espécie de estrutura social que age sobre os indivíduos, que os torna insensíveis e indiferentes ao sofrimento alheio. Quem dera fôssemos como Winttgenstein, capazes de se indignar com o sofrimento de um único ser humano... acabei falando muito pouco daquilo que me propus no início, talvez pelo fato de estar preocupado demais com a situação dos vínculos sócio-afetivos na contemporaneidade, talvez por achar que a amizade não pode ser traduzida em palavras...sei lá, acho que foram as duas coisas.

GIDDENS, Anthony. As transformações da intimidade. São Paulo: Editora Unesp, 2003.

2 comentários:

rodrigo sérvulo disse...

Ainda bem que no último parágrafo você falou sobre as suas intenções. E sobre suas intencões que se transformaram - o que para mim acrescentou no entender do que você queria falar.
Também não acredito que a amizade seja traduzida com alguma expressão concisa. Mais fácil compreendê-la do que explicá-la.

E outra coisa: sua verve literária, meu caro, está nas entrelinhas das entrelinhas de seus textos, vi muito pouco. Você anda muito científico (o que não é um fato negativo). Mas, no fundo, em umas metáforas aqui e alí, a gente vê um quê de literatura.

Abraços.

Blog Portal da Sociologia - Fala Cidadão !! disse...

Gostei da citação: "O sociólogo polonês Zygmunt Bauman talvez seja um dos poucos pensadores vivos que ainda tentam mostrar que nem tudo está perdido, e que amar o próximo é possível, mesmo que seja como ato de fé."
As vezes fico pensando... amar o outro, não existe. O outro será sempre um caminho que escolhi para atingir a minha satisfação, a minha necessidade de poder, de sexo,de reconhecimento, de sobrevivência. Sendo assim fica difícil um mundo mais justo.
Justo para quem?
Amar só como ato de fé.
Abraços.