quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008


Política com “P”

A palavra Política, assim como a idéia que a compreende, surgiu na Grécia Antiga, para definir o conjunto de ações implementadas para a gestão da Pólis (cidade grega). Isso não significa dizer que esses procedimentos tinham por objetivo apenas os interesses da cidade-estado, ou seja, a um conjunto de leis construídas com o intuito de governar (no sentido de exercer poder) uma população, pelo contrário, eles estavam relacionados a todos os aspectos da vida comunitária, a tudo que dizia respeito ao bem estar do cidadão ateniense. Acontecimentos triviais da vida em grupo eram postos em discussão na Ágora, uma espécie de praça pública onde eram decididas coletivamente, as leis que guiariam os rumos de toda a população. Mas meu interesse não é discutir a concepção clássica de Política, até porque isso já está presente nos inúmeros livros de Filosofia ou de História Antiga, meu objetivo é refletir sobre os rumos da política contemporânea, ou melhor, sobre degradação da Política em sua acepção original, e o conseqüente aparecimento da política com “p”. Não vou ficar aqui reivindicando o retorno à Pólis grega, ou à democracia ateniense, o que seria um devaneio diante de um contexto histórico como o nosso, afinal de contas cada época possui suas significações sociais específicas. Quero apenas expor de maneira extremamente resumida como nossa concepção atual de política se assenta sobre a negação daquilo que ao meu ver é o sentido da Política: o “cuidado do outro”. É sabido que em nossa sociedade moderna existe uma divisão entre esfera pública e privada, a primeira compreendendo os interesses da população de uma maneira geral, e a segunda os interesses de um grupo específico. Certamente estou fazendo uma leitura grosseira, já que a divisão entre essas duas instâncias não é tão simples assim quanto se imagina. Pois bem, conforme falei anteriormente, a idéia de Política em sua acepção clássica, abrange os interesses de toda a população, independente da posição que cada um ocupa na sociedade. É claro que na democracia ateniense, mulheres e escravos eram impedidos de participar das discussões na Ágora, mas essa é uma outra discussão, voltemos a proposta do texto. Em nosso atual contexto, a idéia de política passou a corresponder as ações desenvolvidas pelo Estado para uma parcela “exclusiva” da população, ou seja, os assuntos relativos à cidade, à pólis, deixou de ser do interesse de todos. O apartheid social instaurado nas cidades modernas, mostra perfeitamente esse desinteresse das camadas mais abastadas da população por tudo que é público. O surgimento de condomínios luxuosos, espaços residenciais dotados dos mais diversos serviços como escolas, hospitais, comércio, lazer etc, é o reflexo dessa aversão à vida na cidade. Na introdução de Vidas Desperdiçadas (2005), o sociólogo polonês Zygmunt Bauman cita uma passagem bastante interessante do livro Cidades Invisíveis de Ítalo Calvino. Das muitas cidades descritas por Calvino, uma em específico chama a atenção de Bauman, ela se chama Leônia. Os habitantes de Leônia tem por hábito consumir inúmeros produtos, “as novidades mais quentes do momento”, dessa forma produzem uma quantidade de lixo surpreendente. Todas as manhãs o carro do lixo vem apanhar as sobras do dia anterior, o que faz um estranho como Marco Polo, intuir se a “verdadeira paixão dos leonianos”não seria o prazer de expelir, descartar...Distante da cidade, uma enorme montanha de lixo é formada, mas ninguém se preocupa com a mesma, “a não ser quando uma rara golfada de vento leva a seus lares novo em folha um odor que lembra um monte de lixo(...)”. Assim como os leonianos, uma parcela da população não percebe os problemas da cidade, a não ser quando eles batem à sua porta. Dessa maneira, a idéia de política, assume cada vez mais uma conotação local, a política com “p” na qual me referi acima. Vejamos o exemplo da violência, ela só se torna problema de todos, Política com “P”, quando ela invade um espaço delimitado da cidade, habitado por “pessoas que não estão autorizadas a morrer”. Enquanto ela se aglomera nas periferias da cidade, vitimando seres anônimos, é um problema só deles. Enquanto os problemas da cidade ficarem alheios a uma parcela da população, aquela que não possui território fixo, continuaremos sob o domínio da política com “p”.

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