quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008


A tal da Neurociência...


Há quem diga que a televisão é um veículo informacional extremamente desnecessário, e que sua única finalidade é alienar a grande massa que se deixa fascinar pelo brilho que emana de sua tela. O que de certa maneira faz algum sentido, se refletirmos sobre como as informações veiculadas por esse aparelho possuem impacto significativo no cotidiano de milhões de pessoas. Mas os seres humanos não são apenas “zumbís teleguiados” como insistem em afirmar os críticos mais radicais da cultura televisiva. Até porque a informação é apenas um dado bruto, somos nós que damos sentidos a ela, através do capital cultural (parafraseando Bourdieu)que cada um possui. Mas por que estou falando sobre isso mesmo? Lembrei! Domingo passado, cheguei em casa quase ás 22:00, liguei a TV e estava passado o Fantástico. Fui fazer outras coisas e fiquei apenas ouvindo as noticias apresentadas naquela noite. Uma delas me chamou bastante atenção, ou melhor, me deixou de cabelo em pé. Apresentava mais uma das descobertas da Neurociência. Vocês já perceberam o quanto esta ciência tem sido requisitada atualmente? Você liga a tv lá estão os neurocientistas, folheia uma revista científica e lá estão os neurocienstistas, eles são chamados para falar desde o efeito dos psicoativos na mente humana, até a influência dos Teletubies na sexualidade infantil. Um outro dia lí na capa da Scientific American: “O inconsciente existe: neurocientistas descobrem uma área do cérebro onde provavelmente está situado o inconsciente”. Poucas pessoas davam bola para a idéia de inconsciente apresentada por Freud, mas com esse achado dos neurocientistas, a coisa pode mudar de figura. Mas voltando a matéria do Fantástico...ela comentava sobre uma recente técnica cirúgica que estava sendo introduzida no país, e tinha como objetivo corrigir pequenos distúrbios psíquicos como tiques nervosos, transtornos obsessivos, e pasmem, curar depressão. Imediatamente pensei: “mas depressão é uma doença da alma”, não me refiro ao sentido metafísico de alma, mas a um distúrbio psico-social de natureza extremamente complexa. Como curar uma ferida que se encontra na subjetividade dos indivíduos? Esse tipo de cirugia em pacientes depressivos, é bastante comum nos EUA, e ainda não foi testada no Brasil. Por aqui ela foi testada em pacientes que sofrem de “tique nervoso”, o que não é menos assustador. Fiquei pensando nesses indivíduos que se submetem a processos dessa natureza para alcançarem momentos de felicidade. Aqueles que concordam com a afirmação de que a prática psicanalítica impede que o sujeito construa um discurso autônomo sobre sua subjetividade, deve ter repensado seus conceitos após assistir esta matéria. Se Michel Foucault fez uma relação entre o consultório psicanalítico e o confessionário religioso, fico pensando qual seria a comparação feita pelo filósofo em relação as clinicas neuro-cirúgicas. Talvez ele pensasse no Frankestein de Mary Shelley, ou quem sabe “Laranja Mecânica” de Kubrick. Fico pensando daqui alguns anos, intervenção médico-cirúgica para a correção do caráter, para a normalização da conduta sexual, para a diminuição da agressividade, para a repressão dos desejos. Orwell, Huxley, Borroughs não estavam certos sobre o futuro da humanidade? Outro dia, assisti no mesmo programa de TV uma discussão sobre ética e ciência. A questão era a seguinte: É ético mapear o cérebro de adolescentes que haviam cometidos crimes de assassinato? A pesquisa tinha como objetivo entender o funcionamento da mente de um “assassino”, e mais ainda, poderia apontar caminhos de coibir o desvio, ou tendência criminosa ainda na sua origem. Alguns neurocientistas (de novo eles) afirmam que existe uma disfunção no cérebro dos indivíduos criminosos que o acompanham desde o nascimento. Se essa “moda pega”, não demorará muito para vermos crianças sendo arrancadas do colo de suas mães e sendo enviadas para centros de correção, ou quem sabe a instalação de chips. Uma pesquisa de opinião feita pelo programa na mesma noite, constatou o que eu já esperava: a maioria dos brasileiros concorda que não existe nenhum problema em fazer pesquisas com jovens infratores, e que a mesma poderia ajudar no combate da criminalidade. Não é difícil entender a receptividade da população, afinal de contas são “vidas descartáveis”, não merecedoras de compaixão.

Um comentário:

rodrigo sérvulo disse...

"O senhor mire e veja: o mais importante e bonito do mundo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando..." Riobaldo (G.Rosa em GS:V.)

gostei muito do texto anterior a este que comento. aliás, é dele que quero falar. aliás, meu comentário é parafraseando allen ginsberg: quando eu vou poder comprar minha liberdade só com minha boa aparência?