sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008


Qual a liberdade que te satisfaz?


Esta semana o mundo inteiro foi sacudido pela notícia da renúncia do líder cubano Fidel Castro. Depois de 49 anos à frente daquela considerada até hoje a única nação “verdadeiramente” socialista, Fidel afirmou em carta aberta a população, o seu desligamento da função de chefe político. Particularmente, isso não me causou muito espanto, uma vez que o pobre homem vinha enfrentando inúmeros problemas de saúde, comuns a grande parte dos seres humanos com idade muito avançada. Como já era de se esperar, setores ultra conservadores da direita no mundo todo deram depoimentos sobre a renúncia do líder cubano, afirmando que esse gesto simbólico foi o primeiro passo para uma possível “democratização” do país. Figuras como Nicolas Sarkozy, George Bush, Tasso Jereissati, entre outros (todos farinha do mesmo saco), encheram a boca para falar de “democracia” como se fossem autênticos porta vozes da liberdade. A união européia já pensa em reatar os acordos econômicos com Cuba, e os Estados Unidos, dizem que estão dispostos a trabalhar pesado no processo de “redemocratização” do país, ou seja, introduzir a economia de mercado e diminuir o papel do estado cubano enquanto garantidor do bem estar da população. Devo dizer de antemão que não sou adepto do Socialismo - ao menos das experiências que foram até hoje desenvolvidas sob o nome de Socialismo em alguns países - e nem tampouco, percebo Fidel como um “exemplo” de governante (não que eu esteja em busca de “exemplos” ou de “governantes”, se é que vocês me entendem). Que ele é uma espécie de “mito vivo”, como afirmou o presidente Lula isso eu não discordo, uma vez que a história nos ensina a cultuar líderes. Mas isso não vem ao caso agora. Bom, mesmo não concordando com a política desenvolvida em Cuba, é impossível ficar calado diante da arbitrariedade com que a palavra Democracia é utilizada por esses indivíduos. Se a Ilha de Fidel não é democrática, não venham me dizer que um país como os EUA, que apóia práticas de torturas nas confissões de presos políticos pode ser definido como tal, isso para dar um exemplo somente no âmbito interno, porque se eu fosse falar de política externa... Concordo que devemos ter nossa liberdade assegurada, mas não esse tipo de liberdade que nos oferecem como uma das maiores conquistas do homem, e que numa sociedade capitalista significa “liberdade” para poder consumir a tecnologia mais avançada, ou “liberdade” para poder disputar uma melhor posição na escala social. Não seria interessante refletir sobre que tipo de liberdade queremos para as nossas vidas? Não se trata de fazer uma defesa do Socialismo, afirmando que a liberdade de todos é mais importante que a liberdade de um indivíduo. Para mim a anulação dos desejos e vontades singulares em nome de interesses coletivos é um atentado à vida. Talvez muitos argumentem que é justamente por eu viver num país “democrático”, que estou podendo me expressar dessa maneira, e que ao contrário, se vivesse numa ditadura, em Cuba por exemplo, teria meus direitos caçados. Tudo bem, talvez até vocês tenham razão, mas é daí? Quer dizer que “ser livre” se restringe a poder expressar seus pensamentos num pedaço de papel, ou no ciberespaço nesse caso em específico? Ou então poder ir a um supermercado e ter a liberdade de escolher entre Skol ou Haineken? Ou ainda, poder escolher morrer de fome ou numa cadeia? Peço desculpas por contrariá-los, mas definitivamente estou dispensando essa dádiva dos modernos. Nos contentamos com muito pouco mesmo não é? Basta que nos dêem o mínimo permitido para que fiquemos satisfeitos. A algumas semanas atrás lí um livro bem interessante, chamado A arte de viver para as novas gerações, do pensador francês Raoul Vaneigem, não vou falar sobre o livro para não estragar a surpresa, mas posso dizer que se trata de uma espécie de “tratado subversivo em prol da autonomia dos indivíduos”. Deixo vocês com uma das passagens do livro que considero crucial para os questionamentos feitos acima:

[...] Uma ética inteira fundada sobre o valor da troca, o prazer dos negócios, a honra do trabalho, os desejos reprimidos, a sobrevivência, e sobre seus opostos, o valor puro, o gratuito, o parasitismo, a brutalidade instintiva, a morte: é esse o ignóbil caldeirão no qual fervem as faculdades humanas há quase dois séculos (VANEIGEM, 2002:38).


VANEIGEM, Raoul. A arte de viver para as novas gerações. São Paulo: Conrad Editora, 2002.

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