quarta-feira, 17 de setembro de 2008


Time is progress? Time is illusion...


Você já teve a impressão de que o tempo está passando mais rápido? De que as 24 horas não são suficientes o bastante para realizar todas as atividades que programou durante o dia? Pois saiba que você está certo. Mas não foram as horas que diminuíram, o que mudou foi a maneira como nós estamos nos relacionando com o tempo. Muitos estudiosos, afirmam que tiramos o pé do freio e pisamos fundo no acelerador no início do século XIX, período que data o surgimento da Revolução Industrial. E, desde então, a palavra de ordem tem sido: acelerar. O trabalho - que antes era eminentemente artesanal -, migrou para o interior das fábricas, e conseqüentemente tornou-se o motor da engrenagem do sistema econômico que acabara de nascer. Logo, a velocidade tornou-se a principal aliada dos donos de indústria, que passaram a cronometrar o tempo de produção, visando maior lucratividade. E não foi apenas o tempo de produção que foi esquadrinhado. Mesmo fora da fábrica, o trabalhador passou a organizar a sua rotina tendo como referência as atividades desenvolvidas na indústria. Surgiu assim as noções de “tempo ocioso” e “tempo produtivo”, e desde então, é dessa maneira que organizamos nossa rotina. Não se pode precisar uma data para a origem do fenômeno da aceleração, porém, é consenso, que a guinada tecnológica proporcionada pela revolução industrial foi um grande potencializador do processo. Mesmo conhecendo a lógica perversa do fenômeno, aceitamos sem maiores concessões nossa sina de atleta velocista, e até desejamos isso. Não sabemos para onde estamos indo, nem onde fica a linha de chegada, mas isso não importa, a única coisa que devemos saber, é que precisamos chegar logo. A velocidade nos consome por todos os lados, ninguém quer perder seu precioso tempo com investimentos a longo prazo. Time is money! Time is progress!
Uma prática que nos permite, ou pelo menos permitia fugir dessa lógica predatória é a reflexão. Aquilo que muita gente insiste em chamar de “perda de tempo”. A imagem mais recorrente que eu tenho dessa prática está remetida a filosofia grega, ou para ser mais específico, à figura de Sócrates, o pensador por excelência, aquele que fazia de sua vida um exercício de contemplação incessante. Em nossos dias atuais, podemos dizer que a imagem de Sócrates está relacionada com a do “desocupado” que não tem o que fazer, por isso fica olhando para as estrelas num gozo ocioso. O pensamento tem que ser rápido, contemplação é para perdedores. Mesmo a universidade, que é conhecida popularmente como espaço de produção do “saber” (fiz questão de por saber entre aspas, pois entendo que nem todo conhecimento é saber), entrou na lógica da mercantilização do pensamento, ou seja, produção intelectual em série, cronometrada. Aquele que não produz num curto espaço de tempo, torna-se incompetente em potencial. Se no campo supostamente “intocável” da reflexão, o processo é semelhante ao das indústrias, o que dizer do nosso cotidiano? Em contraposição a imagem do pensador contemplativo, apresento a imagem patética do indivíduo diante de seu computador chateado porque o email está demorando a abrir. Dois tempos completamente diferentes. Aíon versus Cronos. Certamente, estou levando em consideração o processo de desterritorialização brutal que atinge em cheio todos os seres humanos, reconfigurando novos mapas subjetivos, traçando novas linhas desejantes. Não sou um neo-ludita, que abomina o contato com as novas tecnologias, sonhando com o retorno de um paraíso que nunca existiu, a não ser para os “românticos” de plantão. A questão é: o que fazemos com tanta velocidade? Bom, gostaria de escrever um pouco mais sobre essa questão, mas não posso “perder tanto tempo” com o texto de um blog não é mesmo?

sexta-feira, 12 de setembro de 2008


Homenagem


Esta semana resolvi falar de algo mais leve, que não tem relação nenhuma com Filosofia, Psicanálise, Sociologia e/ou Antropologia. Bom, relação até tem, afinal de contas, se o pensador esloveno Slavoj Zizek consegue extrair exemplos de desenhos animados, porque eu não poderia fazer um esforço semelhante e analisar um seriado de tv como “The Wonder Years”? A resposta é simples: porque eu não quero. Tenho certeza, que muitos daqueles que têm minha idade ou uma idade aproximada, já ouviram falar de um tal seriado chamado “Anos Incríveis”, que no início dos anos 90, ia ao ar todas as noites, por volta das 19:30 na TV Cultura. Aposto que nomes como Kevin Arnold, Winnie Cooper e Paul Pfifer soam familiares não é mesmo? Talvez alguns perguntem: Mas por que cargas d'água o João está escrevendo sobre esse seriado bobo? Eu diria que por razões bem simples. Primeiro, não acho que ele seja bobo, o que significa dizer, que seu comentário em relação ao mesmo não diz muita coisa sobre minha relação com o seriado. Segundo, porque essa semana bateu uma vontade de escrever sobre algo diferente para o padrão do blog, e terceiro – e que para mim é a resposta mais coerente -, porque este seriado tem um significado especial para mim. Quem já teve oportunidade de assisti-lo sabe que “The Wonder Years” era ambientado num subúrbio dos Estados Unidos na década de 60, e retratava o cotidiano de uma típica família americana, e a relação desta com os grandes acontecimentos que marcaram a respectiva década, como a guerra do Vietnan, a revolução sexual (se é que posso usar essa expressão), a luta por direitos civis de negros e mulheres, a explosão do movimento hippie, etc,...Mas não era por retratar esses acontecimentos que o seriado tinha e tem um significado especial para mim. Na época que comecei a assisti-lo, por volta de meus 16/17 anos, nem fazia essa conexão entre os dramas da familia e os acontecimentos políticos e culturais nos quais ela estava inserida.
Acredito que meu fascínio estava relacionado com a forma pela qual as pequenas coisas do cotidiano eram expostas no seriado. Quem de nós não teve um professor ou professora especial? Uma paixão adolescente? Um grupo de amigos/as inseparáveis? Era quase impossível não se identificar com algumas situações vivenciadas pelo jovem Kevin Arnold. A trilha sonora que acompanhava o desenrolar das histórias também mereceria uma postagem à parte, tendo em vista a seleção de “pérolas” que desfilavam todas as noites, à começar pelo tema de abertura “With a little help for my friend” na voz de Joe Cocker, versão esta, que na minha opinião, é bem melhor que a original dos Beatles. O engraçado disso tudo, é que mesmo agora, perto dos 30 anos, continuo me emocionando com o seriado da mesma maneira que a 12 anos atrás. Não se trata de saudosismo, de ficar remoendo um passado recente, mas de uma sensação boa que me invade sempre que assisto algum episódio. Sei que esses detalhes provavelmente não terá nenhuma importância para você, que está lendo esse texto, mas isso pouco importa, meu propósito não era convencê-lo de que “Anos Incríveis” foi o melhor seriado de tv de todos os tempos. Considero essas poucas palavras uma pequena homenagem a meu devir-menino, que não cessa de me me brindar com agradáveis surpresas.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008


Algumas proposições sobre o devir-alcoólatra


Em sua famosa entrevista concedida a Claire Parnet que ficou conhecida como ABCedário, Gilles Deleuze versa sobre os mais diferentes temas: da animalidade ao desejo, da infância ao cinema, da familia à amizade, com a serenidade que é peculiar a todos àqueles que fazem da filosofia um exercício cotidiano. Dentre as muitas letras do alfabeto, escolhi a letra “B” para ser o fio condutor desse minha nova reflexão inacabada, pois é nesse momento da entrevista que o filósofo fala de sua relação com a “B”ebida. Todos aqueles que conhecem um pouco da história de Deleuze, sabem de sua relação com o álcool, e de como essa mesma substância quase o impediu de fazer aquilo que mais gostava: pensar. O que estimulava a produção de conceitos em um outro momento acabou se convertendo em um mecanismo inibidor. O alcoólatra, diz Deleuze, "nunca para de beber, nunca para de chegar a última bebida", a última bebida nesse sentido, é o último copo que seu corpo consegue suportar. Antes que alguém pense que os comentários do filósofo acerca da bebida tem uma ponta de ressentimento devido a condição de abstêmio que desfrutava na época, afirmo que Deleuze jamais agiria dessa maneira. O que o autor expôs em sua fala é que existem formas diferenciadas de se relacionar com o álcool, e que ele só pode ser considerado um potencializador da criatividade quando “ajuda a perceber que existe algo demasiadamente forte na vida”, citando como exemplo, a relação que alguns escritores mantinham com a bebida, entre eles, Thomas Wolfe, Fitzgerald, Henry Miller, entre outros. Deleuze sempre foi um grande admirador dos escritores anglo saxões, e nunca escondeu que preferia estes aos franceses, talvez pelo fato deles serem estrangeiros na sua própria língua. Para além da admiração pelos textos, existia uma admiração pela vida que estes escritores imprimiam no papel, uma vida que não era ficção, mas expressão de múltiplos devires: devir-minoritário, devir-mulher, devir-alcoólatra.
Ao mesmo tempo que o filósofo comenta sobre a produção de um corpo sem órgãos resultante da relação homem/álcool, percebe-se uma certa cautela em sua fala, como se este devir-alcoólatra tivesse um limite. Não que Deleuze estivesse reproduzindo o slogan “beba com moderação”, longe disso. A idéia era justamente mostrar que a linha de fuga produzida no ato de embriaguês pode se converter em linha dura, molar, levando ao desejo de morte. Penso que existe uma enorme confusão em relação a algumas práticas tidas como liberadoras, mas que na verdade fazem o sentido inverso. Já se tornou lugar comum entre alguns intelectuais e artistas falarem das drogas com um certo “algo a mais entre os dentes”, podemos citar os escritos de Baudalaire, Castañeda, e até mesmo do próprio Nietzsche. Não que esses autores façam apologia ou glamourizem o consumo de certas substâncias. O problema é a “lenga-lenga” de alguns que se utilizam de certos argumentos chavões pseudo-filosóficos para afirmar que é preciso “beber todas” para elevar as idéias. E o que dizer da embriaguês transloucada de Charles Bukowski e as viagens surreais de Jack Kerouac produzidas pela ingestão de peyote? Aqui já fiz menção a outras substâncias “entorpecentes”, o que não muda o foco da discussão, uma vez que a idéia é sair do estado de sobriedade. Para além de um moralismo gorduroso que impregna o discurso dos policiais do desejo, as questões que trago para pensarmos é: em quais circunstâncias é possível devir-alcoólatra? Todos devém ou trata-se de um privilégio de poucos? E o seu Joaquim, que bebe umas e outras e depois chega em casa quebrando tudo? Quando o álcool supõe captura? Não tenho respostas para essas questões...um bom vinho para refletir um pouco...talvez.